sábado, 4 de abril de 2015

O Céu reconciliado com a Terra

Sem a manhã do Domingo da Páscoa, a Sexta-feira de Trevas não faz sentido. É a Ressurreição que ilumina o sofrimento.

211. Senti, primeiro no coração e depois pas­sou-se ao corpo, um frio gelador: foi a morte a avizinhar-se. Jesus expirou.
212. No mesmo momento o segredo da morte reinou no Calvário e na minha alma.
213. O Céu abriu-se quando Jesus expirou. Já todos, do Calvário, podíamos passar ao Céu.
214. Reconciliou-se a Terra com o Céu: já todos podíamos viver a mesma Vida[i]:
215. Uniu-se de tal forma o Céu com a Terra que me fez sentir e lembrar o que em pequenina tinha visto: a massa do padeiro no cilindro[ii]; aquela roda que misturava tudo. Que movimento! A mesma massa, o Céu e a Terra!
216. Ficou o Céu reconciliado com a Terra.
217. Um som harmonioso encheu o Céu e a Terra.

Liberta as almas em ânsias

218. O Calvário estava em trevas. E eu fui descer a um lugar de trevas[iii] e eu mesma fui a luz que tudo iluminei. Digo “eu”, mas não fui eu, porque eu mesma sou trevas e morte. Mas foi aquela vida que viveu em mim, que triunfou no Calvário e na cruz.
219. Desci como que a um inferno, mas não a um inferno de fogo, de maldição e tormentos, mas a um inferno só de tremenda escuridão, onde não entrava luz nem alegria: era um inferno de cegueira e ansiedade. Senti como que Nosso Senhor estivesse em mim, contente, de braços abertos, como quem se sustenta no ar entre aquela multidão, como uma pomba batendo asas, transmitindo a mesma alegria e fazendo com que voasse essa multidão toda. Mas como, meu Deus! Vivo e não vivo, sou eu e não sou; estou no mundo e parti. Senti que desci a esse inferno, mas, de novo, saí, e que, atrás de mim, levava um bando sem número de pombas brancas que voavam atrás de mim; não digo bem, voavam esses seres que não eram corpos atrás desse corpo glorioso.
220. Eu senti a alegria do Céu e muitas almas.
221. Eu senti e vi tudo e fiquei sempre mer­gulhada na dor, na cegueira, e na morte.

A Sua vida divina separara-se de mim

222. Voara a Sua alma santíssima e eu fiquei na mesma dor, a sentir a mesma perda da Mãe­zinha.
223. A Sua vida divina separara-se de mim.
224. Fiquei como se a alma me tivesse dei­xado e eu não tivesse vida.
225. A mesma vida divina tinha sido sempre a força de tanta dor.
226. Jesus tinha expirado; e eu fiquei neste arrebatamento, sem pertencer a Deus sem perten­cer à Terra.
227. A morte de Jesus escureceu o Calvário da minha alma.
228. O silêncio da morte reinou no Calvário da minha alma.
229. Pouco depois vi dar a lançada em Seu divino lado.
230. Foi dentro em mim que Ele foi alanceado.
231. O Coração foi aberto: deu as últimas go­tas de sangue,
232. o resto do Seu preciosíssimo sangue e, por fim, gotas de água.
233. Ficaram raios do Coração a iluminar a Terra; enquanto o sol, como que envergonhado, se escondia entre as nuvens que estremeciam, jun­tamente com o solo do Calvário.
234. De todas as Suas chagas saíam raios de luz, como sol por frestas.

“Cristo morreu e ressuscitou para ser Senhor dos mortos e dos vivos” (Rom. 14, 9)

242. Por entre aquelas nuvens negras da morte, rompeu Jesus; sobressaiu, foi brilhar mais além. Venceu tudo e de tudo triunfou. Mas eu não O acom­panhei naquele vencimento, naquele triunfo, naquela luz: fiquei sempre na minha dor, amargura e agonia. Ele foi, mas ficou sempre comigo, no meio do gozo, da luz triunfal; unido a mim transformado em mim sofria[iv]. Queria saber falar desta separação de Jesus, para o gozo, e ao mesmo tempo, da união dolorosa dentro em meu corpo. Mas não sei. O que sei, é que a agonia continuou.
243. Jesus morreu e viveu sempre. Senti que Ele morreu e sentia que Ele vivia. Ó vida, ó vida celeste!

“Chamo-vos com amor de Pai”

244. De repente iluminou-se toda a minha alma, com uma luz que iluminava o mundo.
245. Senti como se de cima a baixo, se ras­gasse um véu: Jesus apareceu-me com a Sua luz e deu-me a Sua vida.
246. Ressuscitou e fez ressuscitar a minha alma. Com mais luz e dor mais suavizada, no meu coração ouvi que Ele me dizia:
- Ouvi, filhos meus, a voz de Jesus que vos chama! Chama-vos porque vos quer, Ouvi e estai atentos: é a hora da graça que passa! Recebei-a, reparai-a, aceitai-a! Bato com insistência e peço com todo o ardor do meu divino Coração: Vinde a Mim, chamo-vos com amor de Pai.


[i] A vida divina pode ser vivida “em parte” também pelos homens, tornados “filhos de Deus”.

[ii] Esta comparação escolhida pela Alexandrina faz lem­brar uma das parábolas do reino dos céus: a da mulher que mistura a farinha com o fermento (Mt. 13, 33).
[iii] Aqui refere-se ao Limbo, lugar onde os justos, mortos antes do Sacrifício redentor de Jesus, aguardavam o momento de poder ter acesso à visão beatífica de Deus. “Ele morreu, mas o Espírito de Deus fê-lo ressuscitar E com a força desse Espí­rito Ele foi anunciar a salvação também aos espíritos que esta­vam no cárcere” (1 Pedro, 3, 18). A fé cristã confessa que “Jesus Cristo é o Senhor no Céu depois de ter ressuscitado dentre os mortos” (Rom. 10, 6-10).
[iv] Em todos os tempos, em toda a alma justa, Jesus está presente e continua a Sua Paixão.

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