quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Teatro, canto e outras artes em Balasar ao tempo da Beata Alexandrina


A memória mais antiga de representações dramáticas em Balasar remonta a 1903, quando Manuel Sá criou o seu Grupo Cénico “que levou ao palco dramas sacros e comédias hilariantes”. Uma vez que na altura a população das Fontainhas era muito reduzida e não seria possível improvisar qualquer espaço para as representações, estas devem ter ocorrido próximo da igreja, que ainda era a do Matinho.

As Reisadas

Em 1926 ou 1927, um tal Vieira levou à cena o Auto de Natal[1] ou as Reisadas, uma extensa, diversificada e antiga produção popular de tema natalício. Era uma obra aberta, em verso (a comum redondilha), onde cabiam momentos sérios de reflexão sobre o nascimento do Salvador, mas também se encaixavam momentos burlescos, anedóticos ou outros.
O Vieira, que descendia do tecelão da Gandra, levou a peça à cena em várias freguesias da vizinhança.
A figura principal era a do tirânico Herodes; uma figura secundária do auto era o Conde Alberto (que ocorre no rimance de D. Silvana, que foi também muito popular). Uma personagem que os espectadores fixavam era Bambalho, o capitão da polícia de Herodes.
Vejam-se dois fragmentos da obra. No primeiro, em que Herodes conversa com Bambalho, há um quiproquó um pouco primário:

Diz Herodes:
Olá!
Ou eu variei do sentido
Ou então, se penso bem,
Bambalho está doido varrido.

Bambalho... Bambalho...
Acorda, Bambalho!

Diz Bambalho estremunhado:

A corda foi na burra!

Neste outro o rei alteia o tom para expressar a desorientação que o atormenta:

Diz Herodes:

Ó Céus dos sacros impérios,
Vós não me desampareis,
Que eu prometo fielmente
Cumprir sempre as vossas leis.

Mas este caso é sério
E resolver-me não sei.
Vou para o meu gabinete
Considerar no que farei.

Reparar no assomo vago de fé do sanguinário Herodes e na anacrónica menção do seu gabinete.
O êxito das Reisadas deve ter sido grande a ponto de o responsável delas chegar a ser convidado a repeti-las no Brasil.
De facto, as Reisadas já se deviam representar em Balasar desde muito antes: já eram célebres aí por 1914.
Um noticiário de meados de 1935 fala da Tuna de Balasar; este agrupamento musical devia intervir no espectáculo das Reisadas.

A Morte de Abel

Em 31 de Janeiro de 1937, inaugurou-se o salão paroquial de Balasar. Em Março, o professor primário António Costa criou na freguesia um novo Grupo Cénico. Mas fala-se também do grupo Rambóias, que em Abril representou a engraçada comédia em um acto “Medicomania”. Talvez se tratasse do mesmo.
Uma obra teatral de tema bíblico repetidamente aí representada foi A Morte de Abel. Pessoas há na freguesia que ainda dela se recordam, pois tinha cenas que impressionavam muito vivamente.
Um dos actores era certamente Celestino Manuel dos Santos, um homem que se dava também a fazer versos.
Em 19 de Maio, o grupo Os Rambóias ensaiavam-na e em breve devem ter começado as representações pois em Agosto o Pe. Leopoldino informava que “o salão recreativo tem tido bastante concorrência desde a apresentação da Morte de Abel, que tem agradado muito. Acompanha os cânticos a piano o Sr. Professor Carvalho Costa”.
Veja-se agora o que noticiou o Pe. Leopoldino em Abril de 1939:

Realizou-se há dias uma festa escolar. O teatro encheu-se por completo e muita gente não assistiu por falta de lugar, tal o interesse que o espectáculo despertou no ânimo do povo desta freguesia e das freguesias circunvizinhas.
Pelo enunciado do programa, ver-se-á a sua importância: A Avozinha, o Riso, A Floreira, Os Ninhos, Sou gente, A Poveira, Fábula Polaca, Homem do Campo, O Lobo e o Cordeiro, O Lagarto e a Cobra, Já Sou uma Senhora, a patriótica canção José Maria, O Edital, A Tabuada, O Delicado, O meu Gatinho, o Rantaplão, A Caminho da Feira, O que eu Faço, Lição de História.
Terminou com o cântico A nossa Bandeira pela menina Maria Adelaide Ferreira da Costa.
Insano trabalho tiveram os professores António Costa e D. Conceição Reis para ensaiar as crianças, fazendo de rudes moradores do campo lindos actores que se houveram muito bem no desempenho dos seus papéis, merecendo fartos aplausos.

O entusiasmo devia ir em grande pois nas Fontainhas criou-se um salão-teatro:

Em 2 de Outubro de 1938, inaugurou-se o novo teatro das Fontainhas, explorado pelos irmãos Gomes, da oficina de consertos de automóveis e bicicletas. Da parte cénica está encarregado o grupo recreativo de Balasar, habilmente dirigido pelo professor Sr. Carvalho da Costa. O pequeno teatro tem tido grandes enchentes, agradando as peças representadas.


Ida do Grupo Cénico a Forjães

Pouco depois da Páscoa de 1939, o Grupo Cénico foi a Forjães, Esposende, e deu um espectáculo no Teatro Escolar da freguesia. Foi um sucesso, como o Pe. Leopoldino deu conta n’A Voz da Póvoa de 1 de Junho:

A propósito da representação do nosso grupo cénico, diz o correspondente de Forjães para o Esposendense:
“Como noticiámos, realizou-se no passado domingo realizou-se na passado domingo um espectáculo no Teatro das Escola Rodrigues de Faria pelo Grupo Recreativo de Balasar, Póvoa de Varzim. Nos diversos números exibidos, foi destacada a Sra. D. Maria Adelaide da Costa que bem demonstrou a sua competência teatral.
Pelos seus admiradores que mais aplaudiram foi-lhe posto o nome de ‘O Rouxinol de Balasar’.
Ao grupo apresentamos os nossos cumprimentos sinceros pela forma gentil como se despediram desta freguesia. A canção de saudade que dedicaram a Forjães mereceu bem a congratulação que lhe foi manifestada”.
Congratulamo-nos com o bom êxito do nosso interessante Grupo Recreativo, que parece ter chegado ao termo da sua efémera existência pelo casamento do Rouxinol e retirada para o Brasil de um dos seus mais categorizados membros.
No Salão-Teatro das Fontainhas, um grupo de amadores de Laundos exibiu o lindo drama sacro Santo Patriarca Abraão. De principiantes nada mais se pode exigir, todavia o nosso povo, a quem falta a educação cívica e literária, antes prefere as obscenidades dos cantadores de aldeia à existência duma representação educativa.
A Mário Santos, dirigente do novo Grupo, enviamos o nosso cartão de parabéns pelo bom êxito da sua arrojada empresa, que educa os componentes e preserva-os dos meios corruptores da taberna.

Com a Rouxinol casada, deve ter acabado o teatro.
Mas nas Fontainhas ainda se há-de assinalar… cinema.



[1] Júlio Dinis, n’A Morgadinha dos Canaviais, fornece uma ideia de como em seu tempo se vivia a representação do Auto de Natal: era um acontecimento artístico que prendia as atenções duma freguesia. Alguns actores improvisavam partes do seu texto.

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