quinta-feira, 10 de julho de 2014

Amigos do Sagrado Coração de Jesus (6)

Proibida a festa do Sagrado Coração de Jesus

Ao tempo em que a pequena Alexandrina estudava na Póvoa, o pároco da Matriz, que era o da Alexandrina, tinha um jornal, O Poveiro, que teimava em usar da antiga liberdade de expressão do tempo da Monarquia. E, em persistente desafio à tirania republicana, sobreviveu algum tempo. Mais adiante, depois de ter sido levado a tribunal quatro vezes e ganhar sempre, o administrador Santos Graça, em acto da mais flagrante incompreensão do que é o convívio democrático, conseguiu que o Governo o silenciasse e mandasse o pároco para o exílio. Foi nesse jornal que o pároco do Outeiro Maior publicou esta notícia em meados de 1911:

Outeiro, Vila do Conde, 2/8/1911
Realizou-se no domingo passado a festividade do Coração de Jesus, precedida de práticas preparatórias feitas pelo novel orador sagrado Adelino Anselmo de Matos, pároco de Curvos, Esposende, que muito agradou e tirou abundante fruto, não obstante ter sido chamado à última hora.
De manhã houve comunhão geral, distribuindo-se o Pão dos Anjos a umas trezentas pessoas.
De tarde realizou-se uma procissão em honra do SS. Sacramento, promovida por um grupo de devotos e que este ano quiseram cooperar com a Associação do Coração de Jesus, revestindo a festa mais solenidade em virtude de se ter levantado um novo e lindo cruzeiro oferecido à freguesia por um grupo de briosos rapazes que daqui foram para o Brasil e que, entregues ao labutar constante da vida, não se esqueceram da sua terra natal nem da sua fé.
À frente da procissão ia uma bandeira que, pela sua frente, em puro veludo de sedas, ostenta os emblemas do Coração de Jesus, circundados por um ramo a ouro, entrelaçado por uma fita a matiz, rematando tudo em uma espécie de dossel, que produz um efeito surpreendente. Do lado oposto, encontra-se, também bordado a ouro, o emblema JHS, tendo ao fundo um ramo a matiz de belo gosto, e ao cimo a palavra “particular”, em semicírculo.
Como que a pôr um embargo à alegria que todos sentiam no meio de tão linda e religiosa festividade, por ser a única que agrada e consola o coração do verdadeiro cristão e está no ânimo de todos os habitantes desta freguesia, apareceu um ofício do cidadão Administrador do Concelho de Vila do Conde, com a nota de “urgente”, que ao conhecer-se produziu o efeito de um frigidíssimo duche. Dizia assim:

Ao cidadão regedor da freguesia de Outeiro.
Tendo conhecimento de que nessa freguesia se costuma anualmente fazer umas práticas e confissões, sob a denominação de Coração de Jesus, tenho a dizer-lhe que tais práticas são proibidas e punidas por lei. Queira pois não consentir e participar-me, caso não sejam acatadas as minhas ordens.
Saúde fraternidade.
Vila do Conde, 27 de Julho de 1911.
O Administrador do Concelho – Luís da Silva Neves.

Está claro que se a autoridade da freguesia – o Sr. António Gonçalves de Azevedo – não fosse um cavalheiro prudente, um católico prático a quem agradam sobremaneira os actos da nossa santa religião, na qual se esmera por educar toda a sua família, este ofício viria privar este bom povo da sua querida festa, contristando-o e talvez exaltando-o. Felizmente tudo se fez sem o mais pequeno incidente e no meio da mais franca alegria. – P. A.
(Informação saída no jornal O Poveiro, da Póvoa de Varzim, em 10/8/1911)

A comunicação enviada ao pároco do Outeiro Maior foi também recebida em Parada, Bagunte e Junqueira.
O administrador de Vila do Conde não era melhor que Santos Graça. Viera para ali do Porto, pelo que se pode supor que tivesse alguma coisa de carbonário.
Quando a República completava um ano, houve no país movimentações para lhe pôr termo. Isso foi oportunidade para o soba vila-condense se desembaraçar de empecilhos: mandou prender alguns vila-condenses socialmente notáveis e acrescentou-lhes os párocos da Junqueira, de Bagunte, do Outeiro Maior, de Parada e o de Tougues. Era porém tão evidente que alguns destes sacerdotes nada podiam ter a ver com o caso que em breve foram libertados, caso do Pe. Pombal Amorim, do Outeiro Maior. O de Bagunte ainda foi levado para Lisboa, apesar de desde cedo swer reconhecida a sua inocência. Os da Junqueira e de Tougues tiveram pior sorte: cem dias depois ainda penavam no Forte do Alto do Duque ou no de Caxias, juntamente com outros vila-condenses.
É claro que uma mensagem como a transcrita significava uma pressão no sentido de domesticar os párocos e indiciava também o ódio republicano aos Jesuítas, que haviam sido os principais propagadores da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Mas Luís da Silva Neves tantas fez que foi expulso quando agrediu um tal Dr. Manuel da Cunha Reis: foi a casa dele, chamou-o e agrediu-o logo ali.
Começo da notícia da agressão de Luís da Silva Neves contra o Dr. Manuel da Cunha Reis no jornal vila-condense O Ave de 26.11.1911.

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