quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O MARTÍRIO DOS ÚLTIMOS DEZ ANOS (3)


A última fase

Acabadas as fontes directas, as Cartas ao P.e Pinho e o Diário, atenhamo-nos às outras fontes: C G (Cristo Gesù in Alexandrina), NoC (No Calvário de Balasar).
Sobre os sofrimentos, temos duas cartas do Dr. Azevedo ao P.e Pinho. Uma é de 10 de Janeiro de 55:
A Alexandrina está prostrada como nunca. Está a chegar ao cimo do seu calvário... Parece que tudo tem evo­lucionado nesse sentido. (NoC, p. 299 port.)

A outra, de 17 de Outubro de 55, quatro dias depois da morte.
As do­res eram nos últimos meses horríveis.
Ultimamente estava a sofrer imenso, e parece-me que a sua doença, as suas dores eram de origem sobrenatural, daquela origem a que se refere Henri Bon, quan­do fala das enfermidades sobrenaturais. (NoC, pp. 298-299, port.)

E uma carta, ao P.e Humberto, da médica Dra. Irene de Azevedo, filha do Dr. Azevedo (querida amiga que muitas vezes tinha escrito, em substituição da Deolinda, o que a Alexandrina ditava para os seus diários); eis algumas linhas:
Tinha-se a sensação de que naquele quarto de dor acontecia algo de tremendamente grande e misterioso: tinham chegado os últimos momentos duma vítima à qual tinha sido pedida uma grande reparação.
Junto dela, tentava dar-lhe um pouco de consolo molhando-lhe os lábios secos.
Não ousava quase falar com o temor de lhe aumentar o sofrimento.
(...) Pedia com insistência a Deus que a levasse depressa para o Céu: única oração digna dela. (...) Que expressão tinha! Santa resignação à vontade de Deus, mas sofrimento de aterrorizar, e tal que uma alma pode suportar naquele modo só com uma graça e uma ajuda grande do Senhor.
Desde então faço uma ideia do que terá sido a Paixão e Morte do Senhor. (...) Contemplando o seu vulto dolorosíssimo, parecia-me ouvir a frase de Jesus: “Pai, porque me abandonaste?”
Tudo estava consumado. (C G, p. 694)

Em Setembro, a mártir Alexandrina teve a generosidade de permitir à Deolinda participar durante três dias num retiro espiritual em Fátima. Foi um esforço heróico, porque só a Deolinda sabia acudir-lhe do modo melhor nestes últimos tempos de dores atrozes.
A Alexandrina, que se sentia já próxima do fim, queria dar à Deolinda, com tal infusão de espiritualidade, a força para suportar o grande golpe. (C G p. 691)

No princípio do “seu” mês, ouve o anúncio da partida.
Hoje, 2 de Outubro, dia dos Santos Anjos, senti que me tocaram num ombro e ouvi cantar os Anjos. Perguntei:
— Quem cantará com os Anjos?
Nosso Senhor respondeu:
— Tu, tu, tu, em bre­ve, em breve, em breve. (NoC, p. 299, port.)

Em 1965 Deolinda contou ao P.e Humberto o que se segue:
Aconteceu, se não erro, em 7 de Outubro de 1955. Havendo trabalhos em casa, eu tive de vigiar os pedreiros. A minha irmã chamou-me para me dizer:
- Deolinda, tu foges-me!
Respondi-lhe: - Vou e volto já!
Sentei-me junto dela, que já se ouvia com dificuldade, e entregou-me o dinheiro destinado às missões e o saquinho do dinheiro para a casa.
Como é natural, fiquei impressionadíssima, porque a Alexandrina tinha administrado sempre os nossos pobres haveres, como também o dinheiro para as obras de caridade. (C G, p. 691, nota 17)


O dia 12

Às duas da noite a Alexandrina diz à Deolinda que a assiste:
Vou contar-te uma coisa que nunca te disse nunca para não te afligires.
Foi o seguinte: no dia um de Fevereiro, logo de manhã, ouvi uma voz:
- Faz um acto de resignação à vinda do teu Paizinho. (…)
Não to ditei para não to fazer saber. (C G, p. 691)
Depois acrescentou:
Logo que seja dia, farás três telefonemas.
1. - À menina Irene Gomes, para lhe pedir que acompanhe a casa a mãe com toda a sua roupa; que volte definitivamente, porque eu vou morrer (a mãe estava no mar a fazer uma cura).
2. - Ao P.e Alberto Gomes (o confessor), por um dever de gratidão da minha parte e, se mo consentir, para repetir publicamente o acto de renúncia à vinda do P.e Pinho.
Entretanto avisarás o tio Joaquim que vá a chamar o Dr. Azevedo.
3. - À Sra. Ana Pimenta (amiga e benfeitora, que tinha manifestado o desejo de assistir à morte da Alexandrina).

Durante a manhã disse várias vezes:
- Eu queria o Céu.
Não tenho peninha nenhuma de deixar a Terra.
Acabaram todas as trevas da alma (...)
É sol. É vida. É tudo. É Deus!
A Deolinda a um certo ponto perguntou-lhe:
- Queres alguma coisa?
- O Céu, porque na terra não se pode estar.
Eu queria receber o Sacramento dos Enfermos, enquanto estou lúcida.

Numa iluminação sobre o futuro, exclama:
- Um dia, vai ser muito bonito aqui!
Ó Jesus, seja feita a vossa vontade, não a minha!

Pelas 15 do mesmo dia, na presença do confessor, do Dr. Azevedo, dos familiares e de alguns entre os mais íntimos, fez o acto de aceitação da morte.
Registemos o relato feito pelo sacerdote que a assistiu no momento da morte, Mons. Mendes do Carmo.
Quando naquelo quarto-calvário esteve tudo preparado, fez espontaneamente o seu Acto de Resignação diante de todos.
Ó Jesus Amor, ó divino Esposo da alma minha, eu, que na vida sempre procurei dar-Vos a maior glória, quero, na hora da minha morte, fazer-Vos um acto de resignação à vinda do meu Paizinho Espiritual; e assim, meu amado Jesus, se com este Acto dou maior glória à Santíssima Trindade, submeto-me jubilosamente aos vossos eternos desígnios... só para implorar da Vossa misericórdia o Vosso Reino de amor, a conversão dos pecadores, a salvação dos moribundos e a libertação das almas do Purgatório.
Meu Deus, como Vos consagrei sempre a minha vida, Vos ofereço agora o fim dela, aceitando resignada a morte acompanhada das as circunstâncias que Vos derem maior glória.

Depois, com voz clara, pediu perdão, agradeceu e perdoou a todos...
Recebeu depois, de modo angélico, o Sacramento que purifica de todos os vestígios de culpas e imperfeições.
O quarto encheu-se de soluços e a Alexandrina, moribunda, disse:
- Não choreis, porque vou para o Céu.
E repetiu:
- Não choreis, porque eu vou para o Céu! (C G, p.824)

Eis algumas frases que disse a intervalos:
- Ai Jesus, não posso ficar mais na terra.
Ai Jesus, a vida custa; o Céu custa!
Sofri tudo nesta vida pelas almas. Espremi-me nesta cama até a dar o meu sangue pelas almas.
Perdoo a todos... Foram tormentos para o meu bem.
Ai Jesus, perdoai ao mundo inteiro!...
Agradeço àqueles que me fizeram bem; rezarei por eles no Céu.
Estou tão contente por ir para o Céu! (sorrindo e olhando para o alto).

Ao médico que à tarde a saudava antes de a deixar, disse:
Que claridade, que luz! É tudo luz (sorrindo).
As trevas desapareceram. (C G, pp. 692-693)


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